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PRIMEIROS PASSOS: O QUESTIONÁRIO
Partindo da ideia de que os memes compartilhados nas redes sociais por nossos jovens estudantes podem ser aliados à sua formação histórica e ao nosso trabalho em sala de aula, aqui explicitamos uma maneira de usar estes memes como fontes históricas, de maneira que, esperamos, os estudantes possam, ao final do trabalho, perceber o meme como uma produção cultural humana, carregada de sentido e de intenções.
Entretanto, antes de trabalharmos com os memes, foi aplicado aos alunos e alunas um questionário. Este questionário nos proporcionou um entendimento maior de como vivem e o que pensam nossos jovens estudantes, e também compreender questões ligadas ao conhecimento histórico dos mesmos, já que as vivências de cada um são fatores
determinantes do processo da aprendizagem histórica. O questionário também nos forneceu dados a respeito do acesso à internet e presença nas redes sociais dos alunos e alunos. Clique aqui para ver um exemplo de questionário que pode ser aplicado em sua turma.
O Facebook é a plataforma de rede social mais utilizada pelos jovens-estudantes de nossa pesquisa: 83% deles e delas a usam, e apenas seis alunos indicaram não usar nenhuma rede social. Por estes dados podemos perceber que nossa hipótese de que as mensagens postadas no Facebook, seja em forma de postagens, seja em forma de memes, tem grande significado para a formação dos saberes dos alunos.
Entre todos os estudantes que responderam ao questionário, 71% responderam alguma variação de que a História tem como função principal estudar o passado, e um número próximo, 70% afirmou que as aulas de História têm relação com o Brasil atual.
Segundo Jörn Rüsen, é necessário que o conhecimento do passado seja associado ao agir no presente, pois para que um fato histórico tenha sentido para o indivíduo, é preciso que ele esteja vinculado a uma vivência pessoal, relacionado com o presente.
A consciência histórica dá estrutura ao conhecimento histórico como um meio de entender o tempo presente e antecipar o futuro. Ela é uma combinação complexa que contém a apreensão do passado regulada pela necessidade de entender o presente e presumir o futuro. Se os historiadores vierem a perceber a conexão essencial entre as três dimensões do tempo na estrutura da consciência histórica, eles podem evitar o preconceito acadêmico amplamente aceito de que a história lida unicamente com o passado: não há nada a se fazer com os problemas do presente e ainda menos com os do futuro. (RÜSEN, 2006, p. 14)
Após refletir acerca das respostas fornecidas pelos estudantes, podemos perceber a grande dificuldade que os alunos e alunas do Ensino Médio tiveram para conceituar os termos solicitados pelo questionário, embora já tenham tido contanto com estes conteúdos ao longo de sua trajetória escolar. Muitos estudantes afirmaram não saber ou deixaram as respostas em branco, e, aqueles que responderam, o fizeram de forma breve e fragmentada. Também conseguimos perceber que, ao longo dos anos, da 1ª série a 3ª há uma pequena melhora das respostas e mais alunos se sentem seguros para tentar responder às questões.
Por fim, a aplicação deste questionário nos permitiu perceber as lacunas e problemas quanto às concepções dos alunos. Pode ser que o conhecimento escolar proporcionado aos estudantes do Ensino Médio de Inajá até o momento não lhes fez sentido; o saber cotidiano não foi ressignificado e, desta forma, o conhecimento científico não foi apropriado por grande parte dos alunos e alunas, fazendo que com muitos jovens-estudantes concluam o Ensino Médio sem saber diferenciar conceitos como democracia e ditadura ou esquerda e direita entre si, tornando-os mais vulneráveis às ideias propagadas por grupos como o Movimento Brasil Livre e outros.
Contudo, apenas relacionando este questionário com a atividade seguinte que relataremos adiante é possível conjecturar também que, quando se exige um pensamento rápido, as associações são realizadas com informações (das postagens, páginas e memes) do Facebook, enquanto que quando se exige uma atividade escolar, esta é considerada mais séria e assim, permite uma reflexão mais próxima da História como ciência.
O TRABALHO COM MEMES SOBRE A DITADURA CIVIL-MILITAR EM UMA TURMA DA 3ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO
Após a aplicação e análise do questionário mencionado no item anterior, decidimos por em prática nossa proposta de trabalho baseada no letramento histórico por meio de memes com a turma da 3ª série, isto se deve ao fato da turma estar próxima, de acordo com o currículo escolar, de estudar o conteúdo ―ditadura civil-militar brasileira‖. Além disso, os jovens estudantes da turma indicaram alto grau de acesso e permanência nas redes sociais e comentários considerados “problemáticos” em relação aos conceitos indagados pelo questionário. Estes comentários não foram vistos por nós como “incorretos”, mas um ponto de partida para que fosse possível aprofundar conhecimentos advindos de outras esferas da vida dos estudantes.
Seguindo a concepção rüseniana, os alunos e alunas são agentes construtores de conhecimento, não apenas receptores passivos de saberes elaborados em outros espaços, com a escola, e todos os indivíduos, do pesquisador acadêmico à criança, possuem uma consciência histórica que lhes orienta no tempo. Deste modo, às noções e ideias que os estudantes trazem de fora do ambiente escolar são incorporados novos conhecimentos, que modificam e aprofundam estas ideias tácitas dos alunos e alunas, caminhando em direção à construção do saber histórico científico, pois somente ocorre uma aprendizagem significativa para o estudante quando os saberes escolares são ancorados aos conhecimentos que já trazem de seu cotidiano. (RAMOS, 2013).
A vivência cotidiana do aluno, seus contatos pessoais com familiares, amigos, a interação com a mídia levam-no a formular conceitos espontâneos que carecem de forma de explicitação a ser construídas no processo de aprendizagem formal. Nesse processo, os mesmos instrumentos que levam à construção dos conceitos espontâneos podem ser retomados para a caminhada em direção à construção dos conceitos científicos (Abud, 2005, p. 312).
Assim, nossa proposta se dividiu em quatro momentos, pois no planejamento da turma o conteúdo ditadura civil-militar possuía quatros aulas para ser desenvolvido e avaliado. Antes de iniciar as explanações sobre o conteúdo em si, na primeira aula discutimos a proposta do trabalho com os estudantes e então lhes foi solicitado que pesquisassem um meme no Facebook que representasse a visão que eles mesmos possuíam referente à ditadura civil-militar brasileira, juntamente com uma justificativa para a escolha deste meme. Ambos deveriam ser enviados ao WhatsApp da professora. À turma foi avisado que, independentemente do meme trazido, este não seria julgado como certo ou errado, e os estudantes não seriam punidos ou perderiam nota caso trouxessem algo que não estivesse de acordo com o livro didático ou informações posteriores discutidas em sala. Abaixo, alguns dos memes trazidos pelos estudantes e suas justificativas:
Percebemos que a maioria dos memes escolhidos vai ao encontro da historiografia sobre o período militar. Nossa hipótese inicial seria de que os estudantes enviariam memes mais variados, e que uma boa parte poderia ser encaixada na categoria que denominados problemática. Isto não ocorreu.
Questionados, os jovens relataram acreditar que, apesar de engraçados, estes memes não ―servem para a sala de aula. Na segunda aula, foi debatido com os estudantes o conceito de fonte histórica, e seu papel no trabalho do historiador e da escrita da História. Ressaltamos o sua necessidade para a construção do conhecimento histórico, tanto pelos historiadores especialistas quando por nós, professores e estudantes em aula.
A análise crítica de fontes em sala de aula produz a capacidade de transpor tal análise para os materiais culturais com os quais o sujeito se depara no cotidiano, o que dizer que a literacia histórica tende a ultrapassar os muros da escola, adquirindo propósito e/ou sentido para sua vida prática. (RAMOS, 2003, p. 8)
Em seguida, fomos ao laboratório de informática do colégio, onde a turma foi orientada a pesquisar fontes que embasassem ou contrariassem os memes que escolheram. Explicamos que deveriam buscar sites que apresentassem referências em seus textos e também foi permitido que colaborassem entre si para conseguir mais dados sobre os temas pesquisados, seja a censura, economia do período ou repressão. Após a pesquisa, os estudantes apresentaram para a turma os dados obtidos, que em sua maioria, corroboraram as imagens que haviam escolhido para o trabalho.
A aula seguinte foi dedicada a um panorama geral do período militar, seus governos e os chamados conceitos substantivos ou de segunda ordem, como o conceito de ditadura. Foram analisadas imagens de perseguidos e desaparecidos políticos, assim como trechos do Relatório Figueiredo. Para o próximo encontro, foi solicitado aos estudantes que buscassem, então, um meme que representasse o período ditatorial brasileiro de forma errônea com o que haviam pesquisado, juntamente com uma justificativa para sua escolha. Novamente, a turma foi aconselhada a buscar sites que apresentassem referências que colaborassem entre si na busca de fontes. Abaixo, alguns dos memes escolhidos:
Durante a aplicação do projeto ressaltamos aos estudantes a importância da empatia, de se colocar no lugar das pessoas que viveram a época, tanto os perpetuadores e apoiadores do regime quanto aqueles que resistiam a ele, de maneira a compreender e respeitar o que outros indivíduos, de época distinta, pensa, necessita, vivencia, etc., pois nossa compreensão histórica vem da forma como sabemos como as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo que sentiram os sentimentos apropriados àquela situação, sem nós próprios as sentirmos. (LEE, 2003, p. 21) Assim, o despertar da empatia histórica não leva somente ao entendimento daquele outro indivíduo que viveu no passado, mas, quiçá, também do outro que vive agora, no presente, conosco. Embora, seja importante ressaltar, que esta empatia não deve ser total, e no caso específico do período ditatorial, devemos conhecer as ações de, por exemplo, torturadores, mas nunca aceita-las.
Voltando a última dimensão da Educação Histórica, sua natureza multiperspectivada, a turma testemunhou este aspecto na medida em que encontrava narrativas destoantes sobre o a ditadura civil-militar, entretanto, perceberam que existem critérios que validam, ou não, cada versão, e que, o maior deles é o que Isabel Barca (2001) chamou de consistência da evidência, resultado do cruzamento de fontes que os jovens-estudantes realizaram. Ademais, as justificativas apresentadas pelos estudantes também fazem parte da literacia histórica, na medida em que, com as narrativas criadas, os alunos e alunas demonstram a capacidade de comunicar os resultados de suas pesquisas, o produto de seu próprio trabalho histórico e, para Rüsen (2010), quando criamos uma forma de apresentação da história, estamos dando sentido histórico às nossas próprias.
RESULTADOS
A literacia histórica, − abarcando a otimização dos conhecimentos históricos adquiridos de forma extraescolar, a análise de fontes em sala de aula, a construção de conceitos históricos, o desenvolvimento da empatia, da noção da história como de natureza multiperspectivada e a construção de narrativas históricas −, quando internalizada, produz algumas capacidades: de análise crítica em relação aos materiais culturais com os quais o sujeito se depara na vida prática (...) e a reelaboração/superação/otimização/melhoria dos saberes históricos adquiridos fora da escola. (RAMOS, 2003, p. 15)
Acreditamos positiva a experiência da aplicação deste projeto, pois, salvo alguns estudantes, vimos a disposição e a curiosidade dos estudantes em trabalhar em sala de aula com algo que estão acostumados a ver apenas nas redes sociais. Igualmente, cremos proveitosas as discussões onde a turma se mostrou frustrada quando das dificuldades em encontrar informações que respaldassem seus memes, pois estas frustações serviram de ponto de partida para a reflexão de que toda produção memética das redes com que se deparam no cotidiano pode possuir informações que não encontram amparo no conhecimento científico.







Memes
& Ditadura
Em busca de uma literacia histórica